sábado, 30 de agosto de 2008

Pra lá de Teerã

Esse papo todo sobre o show de Caetano Veloso e Roberto Carlos em homenagem a Antônio Carlos Jobim já tá qualquer coisa. As ofensas (e contra-ofensas) se avolumam e, vejam só, até a Barbara Gancia, colunista da mesma Folha da “boba” Sylvia Colombo, resolveu defender as críticas do baiano. Achei coerente os argumentos da Barbara, que reproduzo aqui.

EU NÃO IA, NÃO fazia questão e, aliás, já tinha até matutado aproveitar a ocasião para dar mais uma desancada no rei, no meu site/blog, por conta daquela história escandalosa da biografia que ele censurou sem nem ao menos ler. Mas, na última hora, um amigo me convidou e eu, meio por dever de ofício, meio para honrar o privilégio concedido pelo amigo, acabei aceitando e indo ao Auditório Ibirapuera ver Roberto Carlos e Caetano Veloso cantando Jobim, no show em homenagem à bossa nova.

A noite saiu melhor do que a encomenda. Músicos de primeira qualidade, cenário corretíssimo, organização bombando, toda a bela (e “brutta”) gente de São Paulo comovidíssima na platéia, dois grandes ídolos no palco, enfim, acabei tendo de confessar, na minha coluna da Bandnews FM, que eu deveria pagar a língua, uma vez que o espetáculo tinha sido memorável. Pois qual não foi minha surpresa, no dia seguinte, quando fui ler os jornais e dei de cara com dois textos espinafrando o show. Peraí: será que estávamos no mesmo local? Abro aqui um parêntese para dizer que respeito os colegas que assinaram os textos em questão. Jotabê Medeiros (”O Estado de S. Paulo”) e Sylvia Colombo, desta Folha, são o que há de melhor no jornalismo cultural tapuia.

Além do que, conheço ambos e gosto deles. Tanto gosto, que sinto-me à vontade para discordar de tudo o que eles disseram. Vamos lá: Jotabê chamou o show de “naftalínico”, disse que “o concerto cedeu à nostalgia”. Ué, mas não era isso mesmo que o pessoal queria ver? Ou será que Roberto e Caetano deveriam ter apresentado roupagens inteiramente novas e exóticas para músicas incrustadas em nossa medula espinhal? Você pega dois artistas de uma certa idade, de estilos solidificados e glorificados, os coloca para cantar um repertório “clássico” e quer que eles promovam a queda da Bastilha? Para quê, Jotabê? Na minha modestíssima opinião, um dos aspectos mais sedutores do show foi justamente sua simplicidade. Jotabê, que sabe tudo de música, implicou de tal forma com o espetáculo que no seu texto sobrou até para o neto do homenageado: “O pianista Daniel Jobim usava chapéu característico do avô, como que para reiterar a onipresença do compositor. Um gesto dispensável, já que o próprio repertório tinha essa função”. Pois eu achei o panamá do Daniel um charme. E charme tem tudo a ver com bossa nova, tem não, JB?

A única coisa de que não posso discordar é quando ele diz que o Caetano deu “sambadinhas à Rubens Barrichello”. Bom humor é sempre a salvação da pátria. Sylvia Colombo, por sua vez, já chuta o balde na entrada. Começa dizendo que as celebridades estavam “loucas para aparecer” e que os fotógrafos emperravam a passagem. Sim, e daí, o que há de novo no front? Se em um evento dessa natureza a turma não estiver excitada, e se só um ou dois fotógrafos derem as caras, não terá sido um fracasso retumbante? As mesmíssimas duas coisas também podem ser ditas, digamos, da noite do Oscar. Sylvia fala ainda em desrespeito ao público. Ora, o que se viu ali não foi um evento normal com ingressos vendidos em bilheteria. A maioria dos bacanas que ali estava foi a convite do banco que patrocinou a brincadeira. Se era para ficar tiririca, que fosse com isso. E não com os dois artistas, que estiveram impecáveis.

Aliás, o assunto repercutiu tanto que o blog do Caetano no qual ele desanca com os jornalistas paulistanos ficou fora do ar pela quantidade de acessos na madrugada dessa sexta-feira. Muito também em razão de sua entrevista para o programa do Jô, quando o gordinho simpático solicitou de Caê “aquela música, ‘Sem lenço, nem documento’” e teceu tristes e desconhecidos comentários sobre Noel Rosa e Pixinguinha. Vergonha alheia total. Até o Lula resolveu tirar proveito nessa situação e falar sobre Caetano.

De toda essa saraivada de opiniões, há de se destacar as impressões do jornalista Pedro Alexandre Sanches (o último crítico musical decente da, que coisa, Folha de S. Paulo) sobre o show em homenagem a Jobim, com os méritos de quem escreveu dois belíssimos tratados sobre a Tropicália de Caetano e sobre a Jovem Guarda de Roberto, os livros Tropicalismo: Decadência Bonita do Samba e Como Dois e Dois São Cinco, ambos da Boitempo Editorial. É o mais belo texto sobre a apresentação dos dois cânones da MPB e não está presente em publicação alguma, mas apenas no ótimo blog do Pedro.

Para encerrar o assunto das intrigas, partiremos para a música, que é o que de fato interessa. Em vídeo, dois momentos da maior importância: o primeiro é a primeira aparição da dupla no segundo especial do Roberto para a Globo, em 1972. A música é “Como Dois e Dois”, a canção que Caetano fez no exílio londrino para retribuir “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, que por sua vez é uma homenagem do Rei para o baiano. A música foi incluída no melhor disco de Roberto, o LP de 71 (o de “Detalhes”, “Todos Estão Surdos” e a própria “Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”). De bônus, uma curiosa conversa sobre a rivalidade entre Emilinha e Marlene, que poderia servir de metáfora da suposta tensão ideológica entre Caetano e Roberto.


O outro vídeo é a óbvia “Alegria, Alegria”, gravada no programa natalino do Rei, em 1992, no ano dos caras-pintadas, do Impeachment do Collor e do sucesso da mini-série Anos Rebeldes, do Gilberto Braga, que colocou novamente a canção de Caetano em evidência. É meu primeiro provável contato com Caetano, quando eu tinha meus singelos cinco anos de idade. Lembro que foi das primeiras letras de música que decorei na vida. Atenção para o refrão: a voz de Roberto, no trecho “o sol é tão bonito” é deveras emocionante.


sexta-feira, 29 de agosto de 2008

"Eu sou um crítico muito melhor do que noventa mil vezes eles juntos, mutiplicados, entendeu?"


Na minha primeira postagem do Camisa Amarela, atentei para a incapacidade da crítica, sobretudo a paulistana, de estabelecer um ponto em comum entre a tradição histórica da música brasileira e a percepção moderna ao recriar factóides para o público leitor. Chamei a atenção também para os blogueiros que, supostamente seriam a alternativa contrária, mostram-se corrompidos pelo vício do imediatismo e da falta de pesquisa da grande imprensa.

Pois bem. Para quem não sabe, Caetano Veloso escreve regularmente no hotsite “Obra em Progresso”, uma espécie de blog em que o internauta pode acompanhar passo a passo da criação do novo disco do baiano, que deve ser lançado no fim do ano. Se inicialmente, o site abrigava vídeos com entrevistas ou trechos de músicas de shows, nas últimas semanas, o artista também aproveita o espaço para expor suas opiniões, tal qual vem fazendo desde pelo menos, 1966. E não é que o blogueiro Caê também mostra indignação com a imprensa paulistana?

Os alvos são “a boba da Folha” (Sylvia Colombo) e “o burro do Estadão” (Jotabê Medeiros). Escreveu Caetano, sobre as críticas recebias pelo seu show em parceria com Roberto Carlos na última segunda, no Auditório Ibirapuera, em homenagem a Tom Jobim:

Estou tão enfronhado no Rio com esse projeto da Obra em Progresso que tenho me sentido longe à beça de São Paulo. Vim aqui fazer o show com o Rei no belo teatrinho do Niemeyer no Ibirapuera e senti o tamanho da saudade que eu estava de Sampa. O teatro é elegante e induz à quietude. Se o show fosse no Ginásio do Ibirapuera, o ruído dos aplausos assustaria a boba da Folha e o burro do Estadão que escreveram sobre o show. Há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira - e, mais uma vez, envolvendo Roberto Carlos e este transblogueiro que vos fala.

E prossegue:

Escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever. O do Estadão então é inacreditável. Como é que qualquer editor deixa sair um texto com tantos erros de português, tantas redundâncias e obscuridades, tamanha incapacidade de articular pensamentos? A da Folha não sabe pensar mas exprime de forma primária esse seu não-saber. O outro, nem isso. O texto dele é tão mal escrito que a gente tem de adivinhar o que ele pensa - e chega à evidência de que pensa errado. Mas de alguma forma o artigo da mulher parece ser mais prejudicial do que o do cara. Não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando. Os jornais talvez publiquem algumas das cartas.

É notória, ao longo dos anos, a problemática relação de Caetano em aceitar críticas alheias (“O artista é, sempre, necessariamente, um maior, mais profundo e mais rigoroso crítico do que o crítico jamais poderá ser do artista”, já caetaneou certa vez), mas acredito que ele tenha acertado o alvo, apesar das ofensas gratuitas. Há, tanto no texto do Estadão (“Caetano, o Rei e o show de naftalina”) quanto no da Folha (“Roberto e Caetano fazem show chato”) a mesma espécie de reclamação: a falta de originalidade na apresentação das canções. Ora, o que esperavam? Versões drum n’ bossa de “Chega de Saudade”? Guitarras elétricas para “Wave”? Gritos ensandecidos de um hippie americano para “Garota de Ipanema”, como fizera Caetano e os Mutantes em “Proibido Proibir?”

Há, na crítica paulistana, aquela viciosa concepção roqueira oitentista de que bossa nova é música de elite. A “boba da Folha”, por exemplo, escreveu que eram “eventos elitistas, onde cantar baixinho sobre o amor, a saudade, o Corcovado e as belezas da orla carioca legitimavam o privilégio e a sofisticação de uma casta”. Por sua vez, Jotabê Medeiros, do Estadão, com mais articulação, também parecia não entender que o show era uma homenagem a Antônio Carlos Jobim, e não uma recriação moderninha ou estilizada de seus clássicos. É a tendência pelo imediatismo, pela novidade, pelo desrespeito com as tradições, típicos principalmente da parte cultural da Folha.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Além do que se vê (e se ouve)

No blog que mantenho como editor da Revista Wave (e que está vergonhosamente abandonado), pretendia criar uma série sobre minha imaturidade no julgamento de certos artistas. Iniciei explicando minha aversão inicial ao cineasta americano David Lynch, muito por culpa de uma crítica negativa de Rubens Ewald Filho, até então, minha referência de crítico de cinema (ó, santa inocência). Reproduzirei o texto aqui:

“O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: - o da imaturidade”, dizia Nelson Rodrigues. Estive pensando em como a idade interfere na compreensão de certas coisas. Análises movidas por rebeldia adolescente ou puro egocentrismo juvenil me impediram de admirar artistas e obras que hoje assumi verdadeira submissão.

Talvez o meu caso mais grosseiro seja o do cineasta David Lynch. Minha primeira experiência com o diretor foi o longa Os Últimos Dias de Laura Palmer (Fire Walk With Me, 1992), o qual assisti sem ter visto nenhum episódio de Twin Peaks. Achei tudo de mal-gosto, incompreensível, bobageira gratuita. Após não ter entendido bulhufas de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2002) – sejam razoáveis, eu tinha 18 anos – cheguei a mesma conclusão do Rubens Ewald Filho, em seu Dicionário de Cineastas (Editora Nacional, 2002): Lynch é um vigarista que complica quando não sabe explicar.

Agora, difícil é explicar porque minha opinião mudou após assistir a Coração Selvagem, que é considerado um dos mais fracos do diretor. O que percebi, finalmente, é que as interseções fantásticas e/ou bizarras que Lynch insere nos filmes não precisam ser necessariamente coerentes com o andamento da história. Não quero fazer spoiler para quem ainda não viu o filme, mas a aparição da Sheryl Lee no final é gloriosa, resolve todos os problemas do casal principal sem a preocupação com o absurdo da cena.

Sob esse aspecto – a noção de que a imagem é independente do contexto – revi os filmes citados e assisti àqueles que ainda não tinha visto, para chegar a conclusão de que Lynch é o maior cineasta vivo. O único gênio que trabalha com perfeição em todos as opções audiovisuais de um filme.

Outro caso de julgamento imaturo da minha parte diz respeito ao (extinta? em recesso?) grupo carioca Los Hermanos. Fui vítima da típica praga dos artistas cultuados: o fã chato. Amigos que gostavam da banda tentavam me convencer das qualidades do grupo com argumentos dignos de um José Ramos Tinhorão. “Resgate da música brasileira”, “modernização do samba” e “poesia romântica à Noel Rosa” e outras expressões gastas por pessoas que ouviam Los Hermanos como desculpa para ouvir rock sem se entregar as “tendências estadunidenses” tornavam ainda maior minha bronca com os barbudos.

O que é uma pena, visto que perdi várias chances de ver a catarse que eram os shows da banda ao vivo. Chance que poderei parcialmente recuperar com o lançamento do CD e DVD Multishow Registro - Los Hermanos (SonyBMG), gravado do show de despedida da banda, na Fundição Progresso, no Rio, no dia 9 de junho de 2007. Que será, aliás, exibido nessa quinta-feira , 28, no Multishow, às 22h15, e chega nas lojas amanhã (sexta).

Mas o que necessariamente fez mudar minha opinião sobre o grupo? A verdade é que, desde os Novos Baianos, não se via um grupo de formação baseada na concepção roqueira (guitarras, baixo, teclados e bateria) possuir em sua estrutura sonora tantas referências a tradição da música brasileira. O samba está presente, tanto na temática romantica de suas letras, quanto na criação rítmica (torta e branca; trata-se de um grupo de brancos universitários, é bom lembrar). “Samba a dois” é o exemplo óbvio.

A teoria tropicalista diz presente, ao constatarmos a fusão da música indie rock americana com compassos binários do samba tocados em guitarras distorcidas (“Além do que se vê”, por exemplo). Além da interpretação cada vez mais contida de Marcelo Camelo, que guarda (poucas, mas perceptíveis) ligações com a bossa nova. “Tá Bom”, do disco Ventura, e as faixas do último álbum da banda, 4, demonstram bem a evolução vocal do cantor. Claro, tudo sem grandes sofisticações, mas sempre me interessa essas recriações jovens de tradição clássica da nossa música. Só para lembrar, Chico Buarque é exímio em prestar homenagens (“Até pensei” é uma modinha, “Meu Caro Amigo” é chorinho, a própria “A Banda” é marchinha carnavalesca, dentre outros inúmeros exemplos) e ninguém reclama. Sem querer comparar, é óbvio. Pena, porém, que a banda tenha terminado (ou entrado em recesso) antes de atingir a real maturidade artística. Agora é esperar pelos projetos solos dos membros.

Caymmi, joga a rede no mar

Com o devido atraso – por motivos justificáveis, já que esse blog ainda não completou sequer um dia de existência - para lamentar a morte do grande Dorival Caymmi, aos 94 anos, por insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos, no dia 16 de agosto, prestamos agora nossa homenagem a sua esposa Stella Maris, encontrada morta na tarde dessa quarta-feira, apenas dez dias após o enterro do compositor baiano. Stella estava internada em coma há mais de quatro meses e a causa da sua morte ainda não foi revelada pelo boletim médico do hospital onde estava internada. Que descanse em paz, juntamente ao esposo, em um paraíso onde o vento faça cantiga nas folhas no alto dos coquerais, como a sua tão cantada Itapoã.

A Carol Bataier, colunista da Revista Wave, preparou algumas horas após a morte de Caymmi o belíssimo texto que é destaque da página inicial do site. Confiram.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Mora na Filosofia

É difícil mesurar a real importância dos blogs para o jornalismo cultural, em especial o jornalismo musical, dado a achismos, a interpretações excessivamente subjetivas, a camaradagem entre artistas, e mesmo dentre a grande imprensa, pouco afeito a pesquisas históricas, análises e compreensões de fatos. Há uma ânsia pelo imediato, uma quase promiscuidade juvenil de parte da imprensa (e acompanhada pelo deslumbramento de alguns blogueiros mais jovens), que teima em ignorar a rica história do país e insiste em apostar em artistas esdrúxulos, num desesperado brainstorm musical.

Deve-se, porém, ter em mente que se de um lado temos a infrutífera busca por novos valores no cenário musical sendo quase sempre realizada de maneira desordenada e com poucos critérios pelos jornalistas mais jovens, é preciso também enfatizar certo – na falta de expressão melhor - desleixo da crítica remanescente do último período de brilho da música popular brasileira, aquele que compreende os anos de 1958 e 1972, entre o surgimento da bossa nova e o fim do Tropicalismo, com as novas expressões da música do país.

[Obviamente, é compreensível que esperar análises profundas e detalhadas de Ruy Castro, Tárik de Souza, Zuza Homem de Mello ou qualquer outro pesquisador musical com mais de sessenta anos sobre o fenômeno de internet Mallu Magalhães ou o sucesso emo do NX Zero seria um despropósito. Não custa, no entanto, citar Nelson Motta e seus jovens colaboradores do site Sintonia Fina, que sempre apresentam novas e boas dicas em seus informativos.]
Nota-se, portanto, enorme descuido da atual geração de jornalistas – salvo gratas exceções; Pedro Alexandre Sanches, na Carta Capital, e Marcus Preto, da Rolling Stone, e alguns outros – com o conhecimento histórico necessário a profissão de crítico musical. Claro que é necessário levar em conta as projeções editoriais, o número reduzido de caracteres para expressar longas idéias, além das pressões das agências de notícias, o que muitas vezes impossibilita maior tempo de compreensão do redator para com seu objeto de estudo. Mas é triste constatar que, em um país que tem ao longo dos anos a música como sua maior expressão cultural, fiquemos dependentes dos mesmos artistas e mesmos críticos de quarenta anos atrás.

O poeta e crítico literário T. S. Eliot costumava defender o dever do artista em “envolver ou buscar a consciência do passado” para que “possa continuar a desenvolvê-la ao longo de toda sua carreira”. Acredito que seja esse também o dever do crítico: a compreensão do passado para saber esboçar um presente útil ao prosseguimento da boa tradição da cultura do país. É lição básica, acredito, mas não foi aprendida nas grandes redações de país – e invariavelmente, essa mentalidade imediatista é copiada pela maioria dos blogueiros nacionais. O número de jornalistas que aparentam desconhecer as obras básicas de um Dorival Caymmi, de um Ary Barroso, mas seriam capazes de soletrar todas as letras de um disco do Arctic Monkeys, é maior do que se pensa.

Não se trata de ufanismo ou saudosismo. Vivemos em um mundo livre e democrático, todos tem acesso a suas particularidades e possuem suas predileções. Porém, não me parece aceitável essa negligência com o futuro e com a evolução da música popular do país pela imprensa, notadamente a imprensa paulista. Enquanto o cinema atinge seus melhores índices de sintonia entre público e crítica, há total discordância entre o gosto musical da população, oriundo do funk, do sertanejo universitário, das micaretas, e as predileções estampadas pelos críticos, baseado em reproduzir em campo nacional tendências anglófilas ou publicar textos elogiosos de críticos consagrados a artistas consagrados. Enquanto isso, textos empolgados com a nova geração de talentosos músicos do país, como os publicados na edição de julho da Bravo!, sobre Jonas Sá, Curumin e Nina Becker, passam despercebidos.

O Camisa Amarela é meu projeto pessoal para tentar proporcionar aos futuros leitores essa característica de compreensão e adequação da crítica musical, aliada tanto da modernidade quanto da tradição, e que penso ser rara no jornalismo do país. Claro que, dentro das possibilidades prováveis a um estudante de jornalismo consciente de que ainda há muito o que absorver, tanto da tradição musical quanto o ofício da escrita em si. Como editor da Revista Wave, publicação cultural eletrônica que completou dez edições nesse mês de agosto, pretendi criar aqui um espaço particular pela minha grande paixão pelo jornalismo musical e meu enorme amor pela música popular brasileira. Estarei presente aqui, tecendo comentários exclusivamente sobre o mundo da música, mas peço que confiram minhas opiniões, artigos, reportagens e resenhas sobre assuntos divertos no site da Revista Wave e no meu outro blog. Estabelecer a discussão cultural em um país tão rico quanto o nosso é a motivação que conduz meu caminho.