sexta-feira, 29 de agosto de 2008

"Eu sou um crítico muito melhor do que noventa mil vezes eles juntos, mutiplicados, entendeu?"


Na minha primeira postagem do Camisa Amarela, atentei para a incapacidade da crítica, sobretudo a paulistana, de estabelecer um ponto em comum entre a tradição histórica da música brasileira e a percepção moderna ao recriar factóides para o público leitor. Chamei a atenção também para os blogueiros que, supostamente seriam a alternativa contrária, mostram-se corrompidos pelo vício do imediatismo e da falta de pesquisa da grande imprensa.

Pois bem. Para quem não sabe, Caetano Veloso escreve regularmente no hotsite “Obra em Progresso”, uma espécie de blog em que o internauta pode acompanhar passo a passo da criação do novo disco do baiano, que deve ser lançado no fim do ano. Se inicialmente, o site abrigava vídeos com entrevistas ou trechos de músicas de shows, nas últimas semanas, o artista também aproveita o espaço para expor suas opiniões, tal qual vem fazendo desde pelo menos, 1966. E não é que o blogueiro Caê também mostra indignação com a imprensa paulistana?

Os alvos são “a boba da Folha” (Sylvia Colombo) e “o burro do Estadão” (Jotabê Medeiros). Escreveu Caetano, sobre as críticas recebias pelo seu show em parceria com Roberto Carlos na última segunda, no Auditório Ibirapuera, em homenagem a Tom Jobim:

Estou tão enfronhado no Rio com esse projeto da Obra em Progresso que tenho me sentido longe à beça de São Paulo. Vim aqui fazer o show com o Rei no belo teatrinho do Niemeyer no Ibirapuera e senti o tamanho da saudade que eu estava de Sampa. O teatro é elegante e induz à quietude. Se o show fosse no Ginásio do Ibirapuera, o ruído dos aplausos assustaria a boba da Folha e o burro do Estadão que escreveram sobre o show. Há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira - e, mais uma vez, envolvendo Roberto Carlos e este transblogueiro que vos fala.

E prossegue:

Escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever. O do Estadão então é inacreditável. Como é que qualquer editor deixa sair um texto com tantos erros de português, tantas redundâncias e obscuridades, tamanha incapacidade de articular pensamentos? A da Folha não sabe pensar mas exprime de forma primária esse seu não-saber. O outro, nem isso. O texto dele é tão mal escrito que a gente tem de adivinhar o que ele pensa - e chega à evidência de que pensa errado. Mas de alguma forma o artigo da mulher parece ser mais prejudicial do que o do cara. Não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando. Os jornais talvez publiquem algumas das cartas.

É notória, ao longo dos anos, a problemática relação de Caetano em aceitar críticas alheias (“O artista é, sempre, necessariamente, um maior, mais profundo e mais rigoroso crítico do que o crítico jamais poderá ser do artista”, já caetaneou certa vez), mas acredito que ele tenha acertado o alvo, apesar das ofensas gratuitas. Há, tanto no texto do Estadão (“Caetano, o Rei e o show de naftalina”) quanto no da Folha (“Roberto e Caetano fazem show chato”) a mesma espécie de reclamação: a falta de originalidade na apresentação das canções. Ora, o que esperavam? Versões drum n’ bossa de “Chega de Saudade”? Guitarras elétricas para “Wave”? Gritos ensandecidos de um hippie americano para “Garota de Ipanema”, como fizera Caetano e os Mutantes em “Proibido Proibir?”

Há, na crítica paulistana, aquela viciosa concepção roqueira oitentista de que bossa nova é música de elite. A “boba da Folha”, por exemplo, escreveu que eram “eventos elitistas, onde cantar baixinho sobre o amor, a saudade, o Corcovado e as belezas da orla carioca legitimavam o privilégio e a sofisticação de uma casta”. Por sua vez, Jotabê Medeiros, do Estadão, com mais articulação, também parecia não entender que o show era uma homenagem a Antônio Carlos Jobim, e não uma recriação moderninha ou estilizada de seus clássicos. É a tendência pelo imediatismo, pela novidade, pelo desrespeito com as tradições, típicos principalmente da parte cultural da Folha.

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