quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Além do que se vê (e se ouve)

No blog que mantenho como editor da Revista Wave (e que está vergonhosamente abandonado), pretendia criar uma série sobre minha imaturidade no julgamento de certos artistas. Iniciei explicando minha aversão inicial ao cineasta americano David Lynch, muito por culpa de uma crítica negativa de Rubens Ewald Filho, até então, minha referência de crítico de cinema (ó, santa inocência). Reproduzirei o texto aqui:

“O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: - o da imaturidade”, dizia Nelson Rodrigues. Estive pensando em como a idade interfere na compreensão de certas coisas. Análises movidas por rebeldia adolescente ou puro egocentrismo juvenil me impediram de admirar artistas e obras que hoje assumi verdadeira submissão.

Talvez o meu caso mais grosseiro seja o do cineasta David Lynch. Minha primeira experiência com o diretor foi o longa Os Últimos Dias de Laura Palmer (Fire Walk With Me, 1992), o qual assisti sem ter visto nenhum episódio de Twin Peaks. Achei tudo de mal-gosto, incompreensível, bobageira gratuita. Após não ter entendido bulhufas de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2002) – sejam razoáveis, eu tinha 18 anos – cheguei a mesma conclusão do Rubens Ewald Filho, em seu Dicionário de Cineastas (Editora Nacional, 2002): Lynch é um vigarista que complica quando não sabe explicar.

Agora, difícil é explicar porque minha opinião mudou após assistir a Coração Selvagem, que é considerado um dos mais fracos do diretor. O que percebi, finalmente, é que as interseções fantásticas e/ou bizarras que Lynch insere nos filmes não precisam ser necessariamente coerentes com o andamento da história. Não quero fazer spoiler para quem ainda não viu o filme, mas a aparição da Sheryl Lee no final é gloriosa, resolve todos os problemas do casal principal sem a preocupação com o absurdo da cena.

Sob esse aspecto – a noção de que a imagem é independente do contexto – revi os filmes citados e assisti àqueles que ainda não tinha visto, para chegar a conclusão de que Lynch é o maior cineasta vivo. O único gênio que trabalha com perfeição em todos as opções audiovisuais de um filme.

Outro caso de julgamento imaturo da minha parte diz respeito ao (extinta? em recesso?) grupo carioca Los Hermanos. Fui vítima da típica praga dos artistas cultuados: o fã chato. Amigos que gostavam da banda tentavam me convencer das qualidades do grupo com argumentos dignos de um José Ramos Tinhorão. “Resgate da música brasileira”, “modernização do samba” e “poesia romântica à Noel Rosa” e outras expressões gastas por pessoas que ouviam Los Hermanos como desculpa para ouvir rock sem se entregar as “tendências estadunidenses” tornavam ainda maior minha bronca com os barbudos.

O que é uma pena, visto que perdi várias chances de ver a catarse que eram os shows da banda ao vivo. Chance que poderei parcialmente recuperar com o lançamento do CD e DVD Multishow Registro - Los Hermanos (SonyBMG), gravado do show de despedida da banda, na Fundição Progresso, no Rio, no dia 9 de junho de 2007. Que será, aliás, exibido nessa quinta-feira , 28, no Multishow, às 22h15, e chega nas lojas amanhã (sexta).

Mas o que necessariamente fez mudar minha opinião sobre o grupo? A verdade é que, desde os Novos Baianos, não se via um grupo de formação baseada na concepção roqueira (guitarras, baixo, teclados e bateria) possuir em sua estrutura sonora tantas referências a tradição da música brasileira. O samba está presente, tanto na temática romantica de suas letras, quanto na criação rítmica (torta e branca; trata-se de um grupo de brancos universitários, é bom lembrar). “Samba a dois” é o exemplo óbvio.

A teoria tropicalista diz presente, ao constatarmos a fusão da música indie rock americana com compassos binários do samba tocados em guitarras distorcidas (“Além do que se vê”, por exemplo). Além da interpretação cada vez mais contida de Marcelo Camelo, que guarda (poucas, mas perceptíveis) ligações com a bossa nova. “Tá Bom”, do disco Ventura, e as faixas do último álbum da banda, 4, demonstram bem a evolução vocal do cantor. Claro, tudo sem grandes sofisticações, mas sempre me interessa essas recriações jovens de tradição clássica da nossa música. Só para lembrar, Chico Buarque é exímio em prestar homenagens (“Até pensei” é uma modinha, “Meu Caro Amigo” é chorinho, a própria “A Banda” é marchinha carnavalesca, dentre outros inúmeros exemplos) e ninguém reclama. Sem querer comparar, é óbvio. Pena, porém, que a banda tenha terminado (ou entrado em recesso) antes de atingir a real maturidade artística. Agora é esperar pelos projetos solos dos membros.

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